terça-feira, 23 de dezembro de 2014

o livro à leitura





 “Ninguém resiste a uma história, principalmente a uma história bem contada”
Affonso Romano de Sant’ana

“Um livro é um brinquedo feito com letras. Ler é brincar.”
Rubem Alves


 

Leitura e prazer são indissociáveis A leitura passa pelo prazer de descobrir algo novo, de sair da realidade e entrar em outra dimensão onde tudo se processa de forma prazerosa.
Sabe-se que a prática da leitura deve ser estimulada desde a infância, antes mesmo de a criança entrar na escola; antes mesmo de nascer.
Quando trabalho “leitura” com professores do ensino fundamental, e sempre que vejo algumas professoras grávidas, costumo perguntar: “Já leu algum livro para essa criança?” E antes que elas respondam, eu digo: Se não leu, já está atrasada.”
Em verdade, a infância é a fase de instigar, deslumbrar, despertar e convencer esse leitor por meio do manuseio do livro, da observação do texto, das ilustrações, da cor, do formato, do cheiro. É a fase de desenvolver na criança a noção de que o livro é um bem cultural e que deve se transformar em “objeto de desejo” tal qual um brinquedo exposto na vitrine. E nessa fase, a presença do mediador de leitura (pai, mãe, avô, avó) é indispensável, porquanto é a hora da semeadura.
Lembro-me de quando era bem pequena, ainda, da hora mágica da contação de histórias por D. Luizinha, descendente de escravos, apresentava-nos todo o fantástico universo das histórias infantis que aprendera não sei com quem. E nós, no sítio da minha avó, ficávamos horas a ouvi-la e nem nos dávamos conta de que o tempo passara. Mais tarde, já sabendo ler, ouvíamos debaixo da mangueira principal, em frente à casa grande, meu primo que, do alto de uma pedra mais declamava que lia os folhetos de cordel, dos quais nunca me esqueci de um: “A princesa Rosalinda e o dragão”. Mais tarde, ainda, já leitora autônoma, devorava os livros enormes com letras e ilustrações azuis que meu irmão comprava em Recife: A bela adormecida, Branca de Neve e os sete anões e tantos outros. Hoje, leitora voraz, tenho nos livros uma das maiores paixões.
Quando se fala em leitura para criança, ela parece se subdividir em duas atividades: ler e contar. Um dos traços distintivos delas é que, ao se ler a história, ela é apresentada preservando as palavras escolhidas pelo autor. O leitor deve se manter fiel ao que está escrito.
Por outro lado, na contação da história a trama pode sofrer pequenas modificações, já que o contador tem liberdade para improvisar e agregar elementos a ela. Ele nunca conta uma história da mesma forma.
Parece-nos que o foco não deve ser a característica dicotômica das duas atividades, mas sim o “acontecer”. Ler ou contar, tanto faz desde que mais e mais crianças tomem intimidade com os textos, com as ilustrações, com os autores, com os ilustradores, enfim, com o mundo mágico dos livros.
Ademais, associado ao prazer da leitura ou da contação deve estar a responsabilidade e a obrigação de se expor as crianças ao maior número possível de bons livros e textos
O mais importante é que ler ou contar proporcionem um prazer tão duradouro que as crianças, ao se tornarem adultas, nunca se esqueçam do que é um livro.
Para Rubem Alves, As historias contadas têm o efeito da conquista por quem conta, e a historia lida desperta o interesse em folhear o livro. Essas duas formas de comunicação do leitor e ouvinte precisam de um cuidado no texto repassado, a maneira como foi lido, de que jeito a historia será interpretada.
            É ainda Rubem Alves que nos dá sua receita em

Primeiro a magia da história, depois a magia do bê-á-bá

[...]
Se eu fosse ensinar a uma criança
a arte da leitura,  não começaria
com as letras e as sílabas.

Simplesmente leria as histórias mais fascinantes que a fariam entrar
no mundo encantado da fantasia.

Aí, então, com inveja dos meus
 poderes mágicos, ela quereria que eu
lhe ensinasse o segredo que
transforma letras e sílabas em histórias.

É assim.
É muito simples.”

E, agora...  que tal assistir a dois vídeos? O primeiro é a contação,  por Giba Pedroza, da história “Margarida”, escrita e ilustrada por André Neves. O segundo,  a leitura do livro “Quem quer brincar comigo?, de Tino Freitas, com ilustrações de Ivan Zigg.


domingo, 14 de dezembro de 2014

A flor do maracujá





A flor do maracujá
 Catulo da Paixão Cearense


 “Não há, oh gente, oh não
Luar como esse do sertão”
Meus queridos leitores, quem de nós já não ouviu “Luar do Sertão? Pois essa música foi composta pelo poeta, músico e compositor maranhense, nascido em 1863, Catulo da Paixão Cearense. Muitos acreditam  que este era seu nome artístico, mas não é nada disso. Era mesmo o seu verdadeiro nome. Filho do ourives e relojoeiro Amâncio José da Paixão Cearense e de Maria Celestina Braga da Paixão, morou em São Luiz, no Estado do Maranhão. Sobre esse grande poeta, dizia Monteiro Lobato: "Catulo é bem a voz da terra brasílica".





Dentre suas composições, uma, em especial, me chama a atenção. É “A flor do maracujá”. Nos meus tempos de criança, ouvíamos a declamação dos versos e eu ficava encantada com a história daquela flor.

Uma das versões sobre essa flor, diz que, em inglês,  a expressão passion flower significa “flor de maracujá”. Está ligada à Paixão de Cristo. Consta que esta denominação tem origem entre os séculos XV e XVI, quando missionários espanhóis viram diferentes símbolos da Paixão na flor do maracujá. Segundo esses missionários, as dez pétalas e sépalas da flor representavam os apóstolos menos São Pedro (o negador) e Judas Iscariotes (o traidor). As cinco anteras representavam as cinco chagas. A coroa de espinhos foi vista nos filamentos. Os três estigmas foram associados aos pregos usados para furar as mãos e os pés de Cristo. As pontas das folhas foram tomadas para representar a Lança Sagrada. E os tentáculos ou gavinhas representavam o chicote usado na flagelação de Cristo.


A flor do maracujá
Encontrando-me com um sertanejo, 
Perto de um pé de maracujá, 
Eu lhe perguntei: 
Diga-me caro sertanejo, 
Porque razão nasce roxa, 
A flor do maracujá?
Ah, pois então eu lhes conto, 
A estória que ouvi contá, 
A razão pruque  nasci  roxa, 
A frô do maracujá. 
Maracujá já foi branco, 
Eu posso inté lhe ajurá, 
Mais branco qui a caridadi, 
Mais branco do que o luá.
Quando as frô brotava nele, 
Lá pros confim do sertão, 
Maracujá parecia, 
Um ninho de argodão. 
Mais um dia, há muito tempo, 
Num meis que inté num mi alembro, 
Si foi maio, si foi junho, 
Si foi janeiro ou dezembro.
Nosso sinhô Jesus Cristo, 
Foi condenado a morrê 
Numa cruis crucificado, 
Longe daqui como o quê, 
Pregaro o cristo a martelo, 
E ao vê tamanha crueza, 
A natureza inteirinha, 
Pois-se a chorá di tristeza.
Chorava us campu, 
As foia, as ribeira, 
Sabiá tamém chorava, 
Nos gaio da laranjera, 
E havia junto da cruis, 
Um pé de maracujá, 
Carregadinho de frô, 
Aos pé de nosso sinhô.
I o sangui de Jesus Cristo, 
Sangui pisado de dô, 
Nus pé du maracujá, 
Tingia todas as frô, 
Eis aqui seu moço, 
A estória que ouvi contá, 
A razão pruque nasci  roxa, 
A frô do maracujá


Vamos ouvir a declamação do poema, por José Márcio Castro Alves

https://www.youtube.com/watch?v=uE-2d-ITIB8


segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Maleficent












Ir ao cinema hoje em dia me faz voltar ao tempo em que isso era feito com um misto de expectativa e mistério (não se tinha àquela época, as informações sobre a história, atores etc). Um único cartaz sobre o filme aguçava a nossa curiosidade. Mas, como ia dizendo, ir ao cinema requeria todo um preparo especial, um certo glamour. Para se ter uma ideia, mesmo com o clima quente do Nordeste, usávamos luvas curtas, de organza, carteira combinando com os sapatos. Pois que ir ao cinema era um acontecimento muito importante na pequena cidade do interior.
Então, quando vou ver um filme, sinto-me um pouco criança outra vez. E quando vi o anúncio de Maleficent, fiquei animadíssima para (re)ver a figura central da princesa que foi adormecida.
O filme é uma versão moderna de A Bela Adormecida, com enfoque na arquitetura psicológica da Maleficent.  Aqui, quem faz a jornada mítica é a vilã e o destaque é para as consequências... o que acontece depois que alguém satisfaz os seus desejos e suas paixões.
A personagem principal  é retratada sem maniqueísmos óbvios; ela não é boa, nem má; ela não é frágil, nem forte. Ela não tem medo de agir conforme suas convicções e fazendo a Guerra por vingança ou na sua busca da redenção, sua intensidade é a mesma. É uma personagem multifacetada e rica, tão distante da vilania tradicional que desperta uma simpatia natural no espectador que torce para que ela vença.
O melhor do filme está na direção inteligente que consegue fazer com que o espectador se desprenda do contexto infantil e reflita sobre a ambição, as paixões, a vingança, o perdão, a redenção e o amor; e de como as decisões repercutem e atingem os que nos cercam.
A emoção atinge os píncaros logo no início do filme na cena alegórica do roubo das asas de Maleficent  expondo as feridas do universo: o estupro, a submissão, a tortura física e emocional, o abandono e a vingança.
Definitivamente, o filme não guarda nenhum resquício do universo criado por Walt Disney, retomando as narrativas medievais pontilhadas de enormes quantidades de dramaticidade pré-Irmãos Grimm.
Some-se a isso, a figura da belíssima Angeline Jolie em uma interpretação magistral.
Não sou expert em cinema, por isso limito-me a deixar aqui as minhas impressões sobre a história que nada mudou em relação à  eterna luta  entre o bem e o mal, evidenciando os sentimentos negativos ligados ao poder, à inveja, à ambição, à vaidade ferida, à vingança...
Embora sejam dois trabalhos distintos – o desenho e o filme – permanece na minha cabeça o fantástico dessa história infantil (?): o reino, os reis, as fadas, a princesa em suas diversas fases da vida, o príncipe, o cenário maravilhoso, o clímax na hora da maldição e o (in)esperado final romântico.
E eu, ali, esperando o instante mágico em que o poder da maldição é quebrado pelo beijo do príncipe apaixonado.
Voltei aos tempos de menina, mas o encantamento quebrou-se. Volto à realidade. Não existem príncipes encantados. Nunca existiram. Estamos diante de um conto de fadas moderno.  
No entanto, isso não desmereceu o filme. Antes, me levou a repensar a vida, a manter o foco na realidade e, sobretudo, a sopesar as nossas atitudes. E, principalmente, a refletir sobre o fato de que a todos nos é ofertada a chance de mudar.

O desfecho surpreendente fica por conta da universalidade do amor, cuja dimensão ultrapassa a visão romântica que se tem desse sentimento maior.