segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A poesia e a criança



Por Elba Gomes
  
"Penetra surdamente no reino das palavras.Lá estão os poemas que esperam ser escritos.”
 Carlos Drummond de Andrade

No meu tempo de criança, a poesia também fazia parte do nosso imaginário, despertando em nós a fantasia, a criatividade, a expressão corporal e o desenvolvimento das habilidades musicais, bem como o gosto pela leitura, a partir da exploração do mundo lúdico.
Normalmente, a criança começa seu processo de letramento oral pela contação de histórias, ou pela leitura de livros infantis, atividades desenvolvidas por meio da voz da mãe, do pai, dos avós, dos professores… Esse momento mágico desperta a imaginação, descobre o divertimento, aguça a curiosidade, convida para a brincadeira, desenvolve as ideias. Por meio das histórias, a criança vivencia emoções importantes que vão sendo descobertas ao longo desse processo.
E a poesia? Onde entra a poesia nesse contexto?
A poesia gostosa, criativa, imaginativa suscita ritmo, sensações, desejos, sonhos, anseios, felicidades, emoções reais e imaginárias, e um sem-fim de ideias.
Assim, a poesia é importante porque desperta a sensibilidade da criança em formação. É a fala da alma, da vida, do mundo, dos sentimentos.  Além disso, estimula a criatividade para a aprendizagem.
Vejam essas indagações: elas podem levar os pais a fazer questionamentos que começam em casa e continuam na escola.
“A que tipo de poesia meus filhos estão expostos?”
“Que temáticas estão sendo trabalhadas?”
“Que tipo de linguagem está sendo usada?”
É preciso lembrar, antes de tudo, que os poemas infantis têm que despertar a fantasia, o sensorial, o sentimento…
Pode-se afirmar, sem dúvida, que a poesia se constitui a mais instigante forma de se brincar com as palavras.

Vamos dar uma olhadinha neste poema?
As pipas subiam alto
Brincando lá no céu
Davam mil cambalhotas
E corriam, corriam ao léu

Montavam nas nuvens
Cavalgavam sem parar
Enroladas no barbante
Rodavam sempre a girar

“Olha quanta pipa!”
Gritava a meninada

- A minha é mais bonita!
Olha essa rabiola
- A minha é mais danada!
Olha como cabriola

E o céu todo enfeitado
Com tantas pipas coloridas
Mostrava todas as cores
Do amarelo ao encarnado
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Imagens: divulgação

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Opções








Do que me recordo, esse foi um dos carnavais mais tranquilos e proveitosos. Que a vida oferece opções várias, todos nós sabemos. Pois bem, este ano, minha opção foi passar a semana de Carnaval na pequena cidade de Anápolis. Calma, agradável, possui um parque encantador com quiosques espalhados por aqui e ali; pequenas pontes que nos levam de um lugar a outro; plantas, flores, pequenas árvores, verde pra todo lado; tudo limpo, arrumadinho, o parque convida-nos a um passeio reflexivo. De bem com a natureza, com a vida. Além disso, e muito  além disso, desfrutei do convívio mais intimista com uma das minhas filhas – Cristiane - que mora lá. Conversas, recordações, companheirismo, solidariedade (fazíamos a mesma dieta), filmes e um mergulho no seriado “Downton Abbey”.  Embora perto de Brasília, quase nunca posso ficar algum tempo com ela. A vida moderna nos torna cativos de tantas obrigações que, muitas vezes, esquecemo-nos do essencial: viver a própria vida.  De toda forma, isso não me impediu de acompanhar pela telinha toda a alegria e vibração desse período momesco.  Lembranças de outros carnavais com marchinhas alegres e irreverentes, do corso (que nem sei se ainda existe), dos palhaços, das colombinas e dos pierrôs, dos confetes e serpentinas... Voltei a Brasília revigorada, baterias recarregadas e com a benéfica certeza de que temos, à nossa disposição, o divino poder de fazer opções.




terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A foto – Luis Fernando Veríssimo

Foto da família da escritora ElbaGGomes


Por  Elba Gomes
Família, sagrada família. Grande ou pequena congrega no seu seio amores, amizades, alegrias, tristezas, dores, simpatias, desafetos… Mas será sempre a sagrada família que se reúne para comemorar as grandes datas e, principalmente, para registrá-las. Nessa hora, difícil segurar os sentimentos que afloram suscitados pelo nervosismo, pela euforia, pelo encantamento. Por isso mesmo, esses sentimentos vários se traduzem por palavras, gestos. E a fotografia, como num passe de mágica, capta o intraduzível instante que reflete o harmônico clima familiar, cristalizando, para sempre, a imagem instantânea da felicidade. Vejamos o que acontece nessa reunião familiar, flagrada pela ótica literária de Luis Fernando Veríssimo em sua crônica A FOTO.
Foi numa festa de família, dessas de fim de ano. Já que o bisavô estava morre não morre, decidiram tirar uma fotografia de toda a família reunida, talvez pela última vez. A bisa e o bisa sentados, filhos, filhas, noras, genros e netos em volta, bisnetos na frente, esparramados pelo chão.
 Castelo, o dono da câmara, comandou a pose, depois tirou o olho do visor e ofereceu a câmara a quem ia tirar a fotografia. Mas quem ia tirar a fotografia?
- Tira você mesmo, ué.
- Ah, é? E eu não saio na foto?
O Castelo era o genro mais velho. O primeiro genro. O que sustentava os velhos. Tinha que estar na fotografia.
- Tiro eu – disse o marido da Bitinha.
 - Você fica aqui – comandou a Bitinha.
Havia uma certa resistência ao marido da Bitinha na família. A Bitinha, orgulhosa, insistia para que o marido reagisse.
 “Não deixa eles te humilharem, Mário César”, dizia sempre.
O Mário César ficou firme onde estava, ao lado da mulher.
-  Acho que quem deve tirar é o Dudu.
O Dudu era o filho mais novo de Andradina, uma das noras, casada com o Luiz Olavo. Havia a suspeita, nunca claramente anunciada, de que não fosse filho do Luiz Olavo. O Dudu se prontificou a tirar a fotografia, mas a Andradina segurou o filho.
- Só faltava essa, o Dudu não sair.
Tinha que ser toda a família reunida em volta do bisa. Foi quando o próprio bisa se ergueu, caminhou decididamente até o Castelo e arrancou a câmara da sua mão.
- Dá aqui.
- Mas seu Domício…
- Vai pra lá e fica quieto.
- Papai, o senhor tem que sair na foto. Senão não tem sentido!
- Eu fico implícito – disse o velho, já com o olho no visor.
E antes que houvesse mais protestos, acionou a câmara, tirou a foto e foi dormir.
 Veríssimo, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 37-38.
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Fotos: Acervo da escritora /Divulgação

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Brincando com as palavras


Por Elba Gomes

Para as mães, os pais, os avós, os tios, os professores…
Desde a mais tenra idade, a criança está exposta às cantigas de ninar, às rimas, à musicalidade. Cantar para o bebê é uma atividade ancestral. Hoje é cada vez maior o número de mães que conversam com seus bebês, ainda no útero, cantam para eles e lhes contam histórias.
À medida que cresce, a criança começa a entrar, cada vez mais, no universo sonoro da poesia, considerando, aqui, os poeminhas, as canções de ninar, as canções de brincadeiras, as parlendas, as adivinhas, os trava-línguas. Todos estimulando as crianças a desenvolver o imaginário infantil, e a construir as sonoridades exploradas no texto poético.
 É inestimável o papel que a repetição de sons, em rimas e alterações, desempenha na educação musical, em que o ritmo e a sonoridade marcam o compasso da música-poema. Além disso, a linguagem desempenha outro importantíssimo papel: traduz em imagens o que a poesia suscita.
Em resumo, o poema deve ser uma verdadeira brincadeira com as palavras.
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E, agora, que tal esse “Poeminha pelo avesso”?
O Sapo não lavou o pé
Porque na lagoa tinha Jacaré
O Patinho Feio só viu o que viu
Quando um dia no lago caiu
A Branca de Neve só acordou
Depois que o espelho falou
O Gato ficou sem as botas
Porque contou muitas lorotas
A bela princesa não dormiu
Até que o príncipe surgiu
A Gata Borralheira achou o sapato
Escondido no meio do mato
A Chapeuzinho Vermelho tirou a capa
Quando viu o lobo mau na mata
O Saci-Pererê tinha cachimbo de cipó
Porque andava numa perna só
O nariz do Pinóquio cresceu
E a mentira não apareceu
Se não entendeu direito
Repita esta quadrinha:
“Entrou pela goela do pinto
Saiu pela goela do pato
Seu Rei mandou dizer
Que contasse mais quatro”
Elba GGomes
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Imagens: reprodução

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O país dos chapéus


TEXTO, Rubem Alves
Por Elba Gomes
Vivia num país de céu cor de anil um rei que muito amava o seu povo. Queria que seu povo fosse feliz. Mas seu povo não era feliz. Não era feliz porque não era inteligente. A prova de que não era inteligente estava no fato de que aquele povo não sabia e não gostava de ler. O rei passava seus dias e noites pensando: “Que fazer para que meu povo seja inteligente?”. E, como ele não sabia o que fazer para que seu povo ficasse inteligente, o rei ficou triste.
Viviam naquele país dois espertalhões, por profissão chapeleiros. Ficaram sabendo das razões da tristeza do rei. E maquinaram um plano para ganhar dinheiro às custas da tristeza do rei. Dirigiram-se ao palácio e se anunciaram: “Fizemos doutoramentos, no exterior, sobre a arte de tornar o povo inteligente”. O rei ficou felicíssimo. “Por favor, expliquem-me essa ciência.”
images (1)“Majestade, o que é que torna uma pessoa inteligente?” Com essa pergunta, os chapeleiros abriram um álbum de fotografias. “Veja essas fotografias. Estão aqui as pessoas mais inteligentes da história. Em primeiro lugar, Merlin, o maior dos magos. Note que ele tem um chapéu de feiticeiro na cabeça.” Viraram a página e lá estavam as fotos dos doutores de Oxford e Harvard. Todos eles de chapéu na cabeça.
“Veja agora”, disseram eles ao virarem mais uma página, “o maior general de todos os tempos, Napoleão Bonaparte.” Os chapeleiros perguntaram ao rei se ele sabia a razão pela qual Napoleão perdeu a batalha de Waterloo. “Um espião inglês infiltrado lhe roubou o chapéu”, disse a dupla. “Sem chapéu, ele não pôde competir com o duque de Wellington, que usava chapéu. E veja agora os grandes gênios da humanidade: Sigmund Freud, Winston Churchill, Santos Dumont, todos com chapéus na cabeça. Os chapéus dão inteligência. Propomos, então, o programa nacional Chapéus Para Todos. Por pura coincidência, somos chapeleiros e teremos prazer em ajudá-lo na sua cruzada contra a burrice. Montaremos muitas fábricas de chapéus e muitas lojas de chapéus. Todos poderão usar chapéus desde que, é claro, o governo ofereça bolsas aos pobres deschapelados.”
O rei ficou entusiasmadíssimo e lançou a campanha democrática Chapéus Para Todos. Os outdoors se encheram de slogans. “É preciso usar chapéu para se ter um bom emprego.” “Prepare-se para o mercado de trabalho: use um chapéu.” “Garanta um futuro para o seu filho: dê-lhe um chapéu.”napoleao
Os pais, que queriam que seus filhos fossem inteligentes, faziam os maiores sacrifícios para lhes comprar chapéus. Havia festas para a “cerimônia de entrega dos chapéus”. Perante um auditório lotado, anunciava-se o nome do jovem, o público explodia em palmas, ele se dirigia à mesa dos enchapeuzados e lá lhe era colocado um chapéu na cabeça. Os pais diziam, aliviados: “Cumprimos nossa missão. Nosso filho tem um chapéu. Seu futuro está garantido. Podemos morrer em paz”.
Second-world-war-Sigmund--001A indústria chapeleira progrediu. Até as cidades mais pobres anunciavam com orgulho: “Também temos uma fábrica de chapéus”.
Agências internacionais, sabedoras da campanha Chapéus Para Todos, trataram de medir os resultados dessa técnica pedagógica. Fizeram pesquisas para avaliar o efeito dos chapéus sobre os hábitos de leitura do povo. Mas o resultado da pesquisa foi desapontador. O número de chapéus na cabeça não era proporcional ao número de livros lidos. O rei ficou bravo. Mandou chamar os chapeleiros e pediu-lhes explicações. “Senhores, o povo continua burro. O povo não lê.”
0de59f2c2423ff5b2eff30166295db87Os espertalhões não se apertaram. “Majestade, é que ainda não entramos na segunda fase do programa. Um chapéu não basta. É apenas preliminar. Sobre o chapéu preliminar, as pessoas terão de usar um outro chapéu amarelo, um pós-chapéu.” O rei acreditou. Tomou as providências para que todos pudessem ter pós-chapéus amarelos. Daí para a frente, quem só usava o chapéu preliminar não valia nada. Pra conseguir um emprego era necessário se apresentar usando os dois chapéus: o preliminar e o pós, amarelo.
Mas nem assim o povo aprendeu a ler. O resultado das pesquisas internacionais continuou o mesmo: o povo continuava a não gostar de ler. Aí, os espertalhões explicaram ao rei que faltava o chapéu que realmente importava: o chapéu vermelho. Era preciso, então, usar o chapéu preliminar, sobre ele o pós-amarelo e, sobre os dois, o pós-vermelho.
Aquele país ficou conhecido como o país dos chapéus. Todo mundo tinha chapéu, inclusive os pobres. Ainda não foram anunciados os resultados da última pesquisa internacional sobre os hábitos de leitura do povo no país dos enchapelados. Assim, ainda não se sabe sobre o efeito do chapéu pós vermelho na inteligência do povo. Mas uma coisa já é bem sabida: de todos, os mais inteligentes são os chapeleiros.

PS – É o que eu penso da ideia de Universidade Para Todos.


Rubem Alves (1933- 2014)  - Pedagogo, poeta e filósofo de todas as horas, cronista do cotidiano, contador de estórias, ensaísta, teólogo, acadêmico, autor de livros para crianças, psicanalista, Rubem Alves é um dos intelectuais mais famosos e respeitados do Brasil.




Imagens: reprodução