quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Fome de rosas


Fome de Rosas, da escritora Rosângela Vieira, Edições Dédalo, 2009. um livro que merece ser lido.


Um romance sem heroínas
 Posted on 23/01/2012

por Henrique Marques-Samyn

 Ao menos para o autor desta resenha, a capa de Fome de rosas pareceu enganosa. A imagem de uma rosa amarela, com a corola voltada para o leitor e a haste desfocada ao fundo, encerra uma indesejável sugestão kitsch, que sugere um texto do mesmo tipo − sentimental e excessivo, porventura; convencional, sem qualquer dúvida. Não obstante, como em tantos casos, o que promete a capa nada tem a ver com o texto. Aquela imagem, suave e inofensiva, funciona como (inadequado) revestimento para um romance implacável, que tem por tema a entrópica trajetória de três mulheres, pertencentes a uma mesma família, cujo fracasso é determinado por um motivo central: o fato de se dedicarem, com excessivo zelo, aos papéis femininos que lhes impõe a sociedade.

O inesperado falecimento de Lisandro, o bem-sucedido e autoritário pater familias, é o que lança ao abismo as três mulheres − Ariadne, a esposa, e as filhas Letícia e Alice −, até então confortavelmente instaladas em seus lugares no pequeno universo em torno do provedor. Ariadne é a esposa que, imersa num ambiente doméstico dominado pela rotina, entrega-se a pequenos afazeres para esquecer-se de si mesma. Letícia é a primogênita, a filha educada para atender ao narcisismo paterno (que, inevitavelmente, ansiava por um homem que fosse o seu perfeito espelho), sobre quem a sombra do morto não cessa de exercer uma influência asfixiante. E Alice é a “princesinha”, a caçula criada com todos os mimos, livre (?) para tornar-se a delicada e caprichosa mulher estimada por uma sociedade sexista.

Com a morte de Lisandro, desaparece o pilar sobre o qual se sustentava o seu mundo. Que fazer, havendo partido a protetora figura masculina? A resposta não poderia ser mais óbvia: procurar alguém que a substitua. Um amor de juventude, para Ariadne; um marido promissor, para Letícia; à adolescente Alice, impõe-se antes o dever de adequar-se aos padrões estéticos que a tornem “desejável” aos olhares masculinos. Entre ressentimentos e incentivos, cada uma dessas mulheres testemunha a luta das outras para cumprir o que lhes designa a sociedade conservadora. E é assim que se delineia a rota da destruição.

Além de muito bem escrito − urdido com uma prosa enxuta e ágil, com recurso a monólogos interiores que desvelam o cinismo e a crueldade próprios das relações humanas −, o livro de Rosângela Vieira me parece valioso por um outro motivo: em consciente oposição a outros leitores, nele não vejo respostas fáceis ou definitivas. Embora Ariadne e Letícia percebam, em algum nível, o que há de pernicioso nos laços de dependência em que se envolvem, isso não significa que tenham descoberto formas de rompê-los em definitivo. Vivemos num mundo em que, quase sempre, as mulheres têm definida sua identidade em função dos homens com que vivem; num mundo em que o modo correto de “ser mulher” se resume, usualmente, a desempenhar bem um papel definido pelas regras masculinas. É difícil dizer em que medida a “redenção” de Ariadne e Letícia logrou escapar a essa norma − e se o seu destino não será, ao fim, semelhante ao de Alice. Em Fome de rosas, não há heroínas: está aí o seu mérito e a sua denúncia.

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