Desde pequena, sempre
fora louca por flores, matinhos... De quando em quando, vinham-lhe à memória as
férias que passava no sítio da avó. Adorava andar pelas trilhas estreitas,
entre um roçado e outro, perto dos cajueiros onde ia, com os primos, catar
castanhas.
Margeando as trilhas,
uma profusão de matinhos. Mas, o que mais chamava a atenção eram as melissas
porque pareciam entender as pessoas. As crianças levavam uma varinha de marmelo
e batiam nas melissas, dizendo: “Melissa, melissa, fecha a porta e vamos pra
missa.” E as melissas, ao toque da varinha, murchavam na hora. Aquilo era
demais.
Na cidade onde
morava, ainda que pequena, havia poucas flores e sempre nos quintais. Uma
touceira de beijos aqui, outra acolá. Aqui e ali uns pés de cravos, margaridas,
boninas, dálias. Elas nasciam não se sabia como e se criavam sozinhas.
Mais tarde, já
casada, com três filhas: Luciene, 06; Alessandra, 04; e Cristiane, 02, mudou-se
para a capital da República. Arquitetura diferente, blocos e mais blocos de
apartamentos. Aí é que perdeu a referência das flores. Só as via nas
Floriculturas, onde se vendiam rosas e outras flores mais sofisticadas. Adorava
receber flores do campo, o que ocorria, vez ou outra, por ocasião dos
aniversários.
Morou durante dois
anos, num apartamento de dois quartos, de propriedade de um irmão, na Asa Sul. Durante aquele tempo, fez uma economia e deu
entrada num apartamento, ainda na planta. Ficaria pronto em um ano. Segundo o
Corretor, era um bloco diferente, com três andares. Seria pré-moldado, uma concepção
diferente, e com jardineira nas janelas.
A palavra mágica
“jardineira” foi a responsável pela escolha do apartamento. Começou a sonhar
com uma jardineira cheia de gerânios vermelhos. Poderia até ter umas
margaridas, que delas gostava também.
E não parou mais de
sonhar. Sempre que ia ao Mercado, comprava saquinhos de sementes de gerânio e
de margarida.
- Mãe, - diziam as
meninas maiores – o apartamento ainda vai demorar. Pra que comprar sementes
agora. Elas vão estragar.
- Meninas, me deixem.
Eu já estou sonhando com jardineira da sala cheia de gerânios vermelhos,
conversando com as margaridas e, quem sabe, com cravos também.
E danava a comprar
saquinhos e mais saquinhos de sementes.
O tempo sempre passa
e passou também para a entrega do imóvel. Parecia mesmo um sonho. A família
recebeu as chaves do número 107 e lá se foram ver o apartamento pronto;
“novinho em folha”, como se dizia na roça. No primeiro andar, havia um
parapeito ao longo do bloco, com largura suficiente para que as crianças
andassem nele, passando pelas janelas de todos os apartamentos do primeiro
andar.
O apartamento era bem
diferente: três quartos, tudo em material pré-moldado. As paredes do banheiro
eram revestidas de fórmica; a cozinha e o banheiro junto à área de serviço eram
pintados com tinta epóxi. Tudo muito diferente. Mas nada daquilo importava. Porque
o “ponto alto” era a “jardineira”.
- Assim que mudarmos, vou cuidar da minha
jardineira. – disse a mãe, - com incontida alegria.
- Até que enfim, ela
vai ter seu jardim – comentou a Luciene.
Não deu outra.
Instalados no novo apartamento, a mãe providenciou terra para forrar a
jardineira, adubo, pegou os pacotinhos de sementes e...
- Mãe, eu vou jogar
as sementes de margaridas – disse a Luciene
- Deixa eu colocar as
de cravos. – pediu a Cristiane.
- Deixem as de
gerânios comigo. - concluiu Alessandra.
Trabalho concluído, começou
o “longo” período de expectativa, esperando brotar algo na jardineira. Eis que,
um belo dia, surgiram as primeiras folhinhas verdes. Foi uma alegria só
- Olha, mãe, já tem
folhas!
Mais um tempo de espera.
Dias depois, os botões de margarida começaram a aparecer, seguidos pelos botões
de cravo que também despontavam. Mas, nada de gerânios.
A mãe, toda manhã,
antes de ir para o trabalho, e à noite, quando chegava, corria para a
jardineira. Nenhum gerânio... Aliás, quando estacionava o carro, em frente à
janela do apartamento, erguia os olhos, ansiosa, à procura dos gerânios.
- Não entendo isso. – dizia - As vizinhas dos
lados já têm gerânios nas jardineiras. Só a nossa é que não tem gerânios.
- Deve ser olho
gordo. – disse a filha mais velha.
- Que nada. Vai ver
as sementes estavam estragadas. – disse a outra.
- Bem que eu avisei.
– sentenciou a Luciene – guardou as sementes mais de um ano...
Passou-se mais um mês
e... nada de gerânios. As margaridas já estavam crescidas e já se podia sentir
o perfume dos cravos.
Mas, sempre tem um dia. Naquela noitinha,
quando estacionou o carro, a mãe olhou para a jardineira e deu um grito de
surpresa:
- Olha lá! Olha lá!
Subiu correndo as
escadas, abriu a porta e... nem podia acreditar. Lá estava uma touceira de
gerânio, com três lindas flores bem vermelhas. Estava já no meio da sala,
quando a campainha tocou insistentemente. A mãe estacou o passo, virou-se e foi
atender à porta. Abriu-a e deu de cara com uma das vizinhas. Era a avó do Arati,
coleguinha das meninas.
- Pois, não! A
senhora deseja algo?
- Desejo, sim. Vim
buscar os gerânios que a sua filha Alessandra “roubou” da minha jardineira.
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