Perder, ganhar, viver!
Carlos Drummond de Andrade (1982)
Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo
perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que
até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por
que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para
não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados
para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido
e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara
muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da pátria;
vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso
esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo
clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o
gênero das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do
presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu
grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas
desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um
malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as
oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que
levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a
aflição dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmuIas e símbolos
diversos do esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e
já agora destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza
pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi
tanta coisa, senti tanta coisa nas almas…
Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos
preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal
instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo
dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de
derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o
germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos,
que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de
detritos: começar de novo.
Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do
Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado
infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao
absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais
científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas
para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e
inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá
pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher
um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não
trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito
de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos
para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio
futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou.
Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma
experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.
Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou
adquirimos, na maioria das cabeças, o senso da moderação, do real
contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não
somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a
grandeza, este valor tão relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de
passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas
de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com
esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por
tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os
atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não
acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol
de nós todos.
E
agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já
está na segunda metade?
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