terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A foto – Luis Fernando Veríssimo

Foto da família da escritora ElbaGGomes


Por  Elba Gomes
Família, sagrada família. Grande ou pequena congrega no seu seio amores, amizades, alegrias, tristezas, dores, simpatias, desafetos… Mas será sempre a sagrada família que se reúne para comemorar as grandes datas e, principalmente, para registrá-las. Nessa hora, difícil segurar os sentimentos que afloram suscitados pelo nervosismo, pela euforia, pelo encantamento. Por isso mesmo, esses sentimentos vários se traduzem por palavras, gestos. E a fotografia, como num passe de mágica, capta o intraduzível instante que reflete o harmônico clima familiar, cristalizando, para sempre, a imagem instantânea da felicidade. Vejamos o que acontece nessa reunião familiar, flagrada pela ótica literária de Luis Fernando Veríssimo em sua crônica A FOTO.
Foi numa festa de família, dessas de fim de ano. Já que o bisavô estava morre não morre, decidiram tirar uma fotografia de toda a família reunida, talvez pela última vez. A bisa e o bisa sentados, filhos, filhas, noras, genros e netos em volta, bisnetos na frente, esparramados pelo chão.
 Castelo, o dono da câmara, comandou a pose, depois tirou o olho do visor e ofereceu a câmara a quem ia tirar a fotografia. Mas quem ia tirar a fotografia?
- Tira você mesmo, ué.
- Ah, é? E eu não saio na foto?
O Castelo era o genro mais velho. O primeiro genro. O que sustentava os velhos. Tinha que estar na fotografia.
- Tiro eu – disse o marido da Bitinha.
 - Você fica aqui – comandou a Bitinha.
Havia uma certa resistência ao marido da Bitinha na família. A Bitinha, orgulhosa, insistia para que o marido reagisse.
 “Não deixa eles te humilharem, Mário César”, dizia sempre.
O Mário César ficou firme onde estava, ao lado da mulher.
-  Acho que quem deve tirar é o Dudu.
O Dudu era o filho mais novo de Andradina, uma das noras, casada com o Luiz Olavo. Havia a suspeita, nunca claramente anunciada, de que não fosse filho do Luiz Olavo. O Dudu se prontificou a tirar a fotografia, mas a Andradina segurou o filho.
- Só faltava essa, o Dudu não sair.
Tinha que ser toda a família reunida em volta do bisa. Foi quando o próprio bisa se ergueu, caminhou decididamente até o Castelo e arrancou a câmara da sua mão.
- Dá aqui.
- Mas seu Domício…
- Vai pra lá e fica quieto.
- Papai, o senhor tem que sair na foto. Senão não tem sentido!
- Eu fico implícito – disse o velho, já com o olho no visor.
E antes que houvesse mais protestos, acionou a câmara, tirou a foto e foi dormir.
 Veríssimo, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 37-38.
foto-maquinas-fotograficas-antigas-04
Fotos: Acervo da escritora /Divulgação

Nenhum comentário:

Postar um comentário