Foto da família da escritora ElbaGGomes |
Por Elba Gomes
Família, sagrada família. Grande ou pequena congrega no seu seio amores, amizades, alegrias, tristezas, dores, simpatias, desafetos… Mas será sempre a sagrada família que se reúne para comemorar as grandes datas e, principalmente, para registrá-las. Nessa hora, difícil segurar os sentimentos que afloram suscitados pelo nervosismo, pela euforia, pelo encantamento. Por isso mesmo, esses sentimentos vários se traduzem por palavras, gestos. E a fotografia, como num passe de mágica, capta o intraduzível instante que reflete o harmônico clima familiar, cristalizando, para sempre, a imagem instantânea da felicidade. Vejamos o que acontece nessa reunião familiar, flagrada pela ótica literária de Luis Fernando Veríssimo em sua crônica A FOTO.
Foi numa festa de família, dessas de fim de ano. Já que o bisavô estava morre não morre, decidiram tirar uma fotografia de toda a família reunida, talvez pela última vez. A bisa e o bisa sentados, filhos, filhas, noras, genros e netos em volta, bisnetos na frente, esparramados pelo chão.
Castelo, o dono da câmara, comandou a pose, depois tirou o olho do visor e ofereceu a câmara a quem ia tirar a fotografia. Mas quem ia tirar a fotografia?
- Tira você mesmo, ué.
- Ah, é? E eu não saio na foto?
O Castelo era o genro mais velho. O primeiro genro. O que sustentava os velhos. Tinha que estar na fotografia.
- Tiro eu – disse o marido da Bitinha.
- Você fica aqui – comandou a Bitinha.
Havia uma certa resistência ao marido da Bitinha na família. A Bitinha, orgulhosa, insistia para que o marido reagisse.
“Não deixa eles te humilharem, Mário César”, dizia sempre.
O Mário César ficou firme onde estava, ao lado da mulher.
- Acho que quem deve tirar é o Dudu.
O Dudu era o filho mais novo de Andradina, uma das noras, casada com o Luiz Olavo. Havia a suspeita, nunca claramente anunciada, de que não fosse filho do Luiz Olavo. O Dudu se prontificou a tirar a fotografia, mas a Andradina segurou o filho.
- Só faltava essa, o Dudu não sair.
Tinha que ser toda a família reunida em volta do bisa. Foi quando o próprio bisa se ergueu, caminhou decididamente até o Castelo e arrancou a câmara da sua mão.
- Dá aqui.
- Mas seu Domício…
- Vai pra lá e fica quieto.
- Papai, o senhor tem que sair na foto. Senão não tem sentido!
- Eu fico implícito – disse o velho, já com o olho no visor.
E antes que houvesse mais protestos, acionou a câmara, tirou a foto e foi dormir.
Veríssimo, Luis Fernando. Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 37-38.
Fotos: Acervo da escritora /Divulgação
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