quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O que nós escrevemos

Conto de Natal
             Meu nome é Severino e tenho 10 anos. Moro num grotão, no interior do Estado... Não importa o nome. Sou brasileiro. Aqui moram 10 famílias e tenho 10 irmãos. Acho que o número 10 me acompanha porque sempre tiro 10 na escola. Pois tem uma escola no meu recanto e a professora anda 10 léguas para chegar aqui. Eu gosto muito de estudar e sou apaixonado com o estudo dos mapas porque eles me mostram que existem mais lugares e pessoas diferentes no mundo. Minha professora é muito sabida. Ela conhece o mundo inteiro viajando pelos mapas. Ela tem muitas fotos de vários países que ela recorta de revistas. Eu nunca vi uma revista, mas me contento com o que ela mostra. Assim, eu conheci o mar, a montanha, as cidades, a neve, os carros, os barcos, os aviões e até homens que voam de cima de uma pedra. É muito legal porque de noite eu fecho os olhos e vejo de novo tudo que ela mostrou.
             Esta semana, a professora falou muito sobre o Natal e mostrou árvores enfeitadas com bolas coloridas, sininhos e estrelas. E tinha até neve. No alto, um anjo de asas abertas, sorria pra gente. Ela explicou o que era o Natal, falou do nascimento de um menino pobre numa manjedoura, (um lugar onde se põe comida para os animais: vacas e os bois) e que esse menino tinha vindo ao nosso mundo para salvar os homens. Eu não entendi bem essa parte, mas achei lindo aquele menininho ali junto com os bichos. Ela também explicou que uns reis (homens com coroa na cabeça) levaram presentes para o menininho.
             Nossa professora explicou que, hoje, no lugar dos reis, existe um velhinho de barbas brancas, chamado Papai Noel, que dá presentes a crianças no mundo inteiro. E que ele não consegue presentear todas as crianças. Só que ela não explicou isso direito. Eu até vi a foto dele. Parece boa gente. E anda num negócio chamado trenó puxado por uns bichos parecido com cabras de chifres.
            Ela inventou uma brincadeira conosco: a gente fechava os olhos e imaginava o velhinho dando presentes para nós; figuras de bicicletas, carrinhos, bolas, bonecas, roupas, sapatos e livros: muitos livros para ler. Fiquei feliz com meu presente: a figura de uma bicicleta. De noite, apaguei a lamparina e sonhei com meu Natal: montado na minha “bicicleta” fui ao encontro de Papai Noel. Ele me perguntou o que eu queria. E eu respondi que queria de presente uma resposta à minha pergunta: “Você conhece as crianças pobres do Brasil?”

Elba GGomes

2 comentários:

  1. Elba!!!!!
    Agora que te encontrei por aqui, não te largo mais! Acho até que vou fazer um twitter só para seguir você!
    O conto é lindo e revela a alteridade na percepção do mundo. Não é fácil olhar as coisas na perspectiva do outro, quanto mais se esse outro for quase o avesso do que somos...
    Espero que as coisas estejam caminhando em um ritmo bom: não tão devagar que entendie, nem tão rápido que desespere...
    Tenho saudades.
    Um beijo grande,
    Thérèse

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  2. Tratar de um tema tão profundo, histórico e
    mitológico, em um conto tão curto, é notável.
    Viví reminiscências ao lê-lo. Me emocionei.
    Parabéns!
    Bjs.

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