sábado, 23 de janeiro de 2016

O dia em que a mãe morreu






Foi assim. Eram 7h30 e ela já estava no trabalho. O telefone toca. Atende.
- Alô...
A voz chorosa da irmã Jacinta diz:
- Joana, corre que mamãe tá morrendo!
Ela pula da cadeira, como uma mola, começa a chorar, abre a bolsa e procura, nervosamente, a chave do carro.
- O que foi, Joana? Posso ajudar?
Era o colega do lado que também madrugava no trabalho.
- Não, Agradecida. Minha mãe tá morrendo. Vou pra casa dela. Avise ao Chefe.
A mãe, viúva há quatro anos, 90 anos, era muito bem cuidada  pelos filhos (nove) que passavam todos os dias na sua casa, para saber de seu estado.
Acelerou o máximo que podia e em quinze minutos chegava à casa da mãe. Pegou o elevador. Parecia que não chegava nunca. Voa pelo corredor. A porta do apartamento estava aberta. Entra na sala. Lotada. Todos os filhos, as enfermeiras e algumas vizinhas.
À direita de quem entra, uma poltrona estilo “cadeira do papai” e nela, quase deitada, a mãe estertorava como se estivesse à beira da morte. Num canto da sala, perto da janela, os filhos enxugavam os olhos marejados de lágrimas. Junto à mãe, três filhas e duas noras. Um dos filhos, que frequentava a igreja messiânica, aplicava “johrei”. Ao lado, uma vizinha, esotérica, segurava uma vela perfumada e um incenso. Atrás da cadeira, Salete, uma das filhas, que era espírita, abriu um livro e começou a recitar preces.
Súbito, alguém perguntou:
- Vamos chamar a UTI VIDA? Ela precisa ir para o hospital.
- Não! Minha mãe não vai para o hospital. – gritou Salete. Eles vão colocar minha mãe na UTI, naquele lugar gelado. Minha mãe não vai morrer congelada.
Aí, começou a confusão.
- Eu acho que ela deve ir, sim, para o hospital. - disse um dos filhos.
- Por mim, ela não vai. -  disse outro.
- Lugar de doente é no hospital. disse um terceiro.
E cada um dava um palpite.
- Vamos deixar o Felipe decidir. – disse um outro. – Afinal, ele é o filho médico.
Antes que o médico abrisse a boca, a esposa falou:
- Você, não! Você não vai assumir a responsabilidade sozinho! Vamos fazer uma votação.”
Vota daqui, vota dali, venceu o time que não queria que a mãe fosse para o hospital.
Olhando-se para a doente, parecia que a chama da vida se apagava. O filho médico monitorava os sinais vitais, por meio do oxímetro.
- Ela está muito fraca.
Mais choros. Um olhar de sofrimento perpassava por todos os semblantes.
As noras começaram a rezar um terço, baixinho.
Salete, então, ajoelha-se frente à mãe e começa a falar:
- Mamãe, tenha fé. Você já cumpriu sua missão. Liberte seu espírito desse invólucro carnal. Suba, mamãe, suba!
E a mãe parecia apagar-se cada vez mais. Mal se ouvia a sua respiração.
- Alguém já chamou o padre? Vão depressa!”
“Preciso falar alguma coisa – pensou Joana. - Afinal, sou a escritora da família.”
- Mamãe, a senhora está nos ouvindo? Chegou a sua hora. Vamos subir, mamãe. Vamos fazer a longa viagem. Você quer se encontrar com uma pessoa muito querida? Ela está te esperando lá em cima.
Eis que se ouve quase um gemido:
- Quem é?
- É o papai.
Súbito, a mãe entreabre os olhos, faz um esforço enorme, quase se senta na cadeira, no que é auxiliada pelas filhas mais próximas e diz:
- Quero, nãããooo!!!!
Viveu mais quatro anos...


Nenhum comentário:

Postar um comentário