Foi
assim. Eram 7h30 e ela já estava no trabalho. O telefone toca. Atende.
-
Alô...
A
voz chorosa da irmã Jacinta diz:
-
Joana, corre que mamãe tá morrendo!
Ela
pula da cadeira, como uma mola, começa a chorar, abre a bolsa e procura,
nervosamente, a chave do carro.
-
O que foi, Joana? Posso ajudar?
Era
o colega do lado que também madrugava no trabalho.
-
Não, Agradecida. Minha mãe tá morrendo. Vou pra casa dela. Avise ao Chefe.
A
mãe, viúva há quatro anos, 90 anos, era muito bem cuidada pelos filhos (nove) que passavam todos os
dias na sua casa, para saber de seu estado.
Acelerou
o máximo que podia e em quinze minutos chegava à casa da mãe. Pegou o elevador.
Parecia que não chegava nunca. Voa pelo corredor. A porta do apartamento estava
aberta. Entra na sala. Lotada. Todos os filhos, as enfermeiras e algumas
vizinhas.
À
direita de quem entra, uma poltrona estilo “cadeira do papai” e nela, quase
deitada, a mãe estertorava como se estivesse à beira da morte. Num canto da
sala, perto da janela, os filhos enxugavam os olhos marejados de lágrimas.
Junto à mãe, três filhas e duas noras. Um dos filhos, que frequentava a igreja
messiânica, aplicava “johrei”. Ao lado, uma vizinha, esotérica, segurava uma
vela perfumada e um incenso. Atrás da cadeira, Salete, uma das filhas, que era
espírita, abriu um livro e começou a recitar preces.
Súbito,
alguém perguntou:
-
Vamos chamar a UTI VIDA? Ela precisa ir para o hospital.
-
Não! Minha mãe não vai para o hospital. – gritou Salete. Eles vão colocar minha
mãe na UTI, naquele lugar gelado. Minha mãe não vai morrer congelada.
Aí,
começou a confusão.
-
Eu acho que ela deve ir, sim, para o hospital. - disse um dos filhos.
-
Por mim, ela não vai. - disse outro.
-
Lugar de doente é no hospital. disse um terceiro.
E
cada um dava um palpite.
-
Vamos deixar o Felipe decidir. – disse um outro. – Afinal, ele é o filho
médico.
Antes
que o médico abrisse a boca, a esposa falou:
-
Você, não! Você não vai assumir a responsabilidade sozinho! Vamos fazer uma
votação.”
Vota
daqui, vota dali, venceu o time que não queria que a mãe fosse para o hospital.
Olhando-se
para a doente, parecia que a chama da vida se apagava. O filho médico
monitorava os sinais vitais, por meio do oxímetro.
-
Ela está muito fraca.
Mais
choros. Um olhar de sofrimento perpassava por todos os semblantes.
As
noras começaram a rezar um terço, baixinho.
Salete,
então, ajoelha-se frente à mãe e começa a falar:
-
Mamãe, tenha fé. Você já cumpriu sua missão. Liberte seu espírito desse
invólucro carnal. Suba, mamãe, suba!
E
a mãe parecia apagar-se cada vez mais. Mal se ouvia a sua respiração.
-
Alguém já chamou o padre? Vão depressa!”
“Preciso
falar alguma coisa – pensou Joana. - Afinal, sou a escritora da família.”
-
Mamãe, a senhora está nos ouvindo? Chegou a sua hora. Vamos subir, mamãe. Vamos
fazer a longa viagem. Você quer se encontrar com uma pessoa muito querida? Ela
está te esperando lá em cima.
Eis
que se ouve quase um gemido:
-
Quem é?
-
É o papai.
Súbito,
a mãe entreabre os olhos, faz um esforço enorme, quase se senta na cadeira, no
que é auxiliada pelas filhas mais próximas e diz:
-
Quero, nãããooo!!!!
Viveu
mais quatro anos...
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