Nossas aulas começavam às 7h, embora
tivéssemos que acordar às 5h para estarmos na capela às 6h e ali assistir à
missa, toda falada em latim, e quase estourar os bofes de tanto cantar.
A
Madre Carolina, chamada de Madre Assistente, que era a superiora da
congregação, dizia, em voz alta: “Cantem, cantem! Quem canta, reza sete vezes.”
Somente após esse suplício matinal é que íamos para o refeitório tomar o café
da manhã.
Apanhados os livros na sala de estudos,
descíamos a longa escada (e aí já fazíamos nosso primeiro exercício físico
matinal), caminhávamos por longos corredores (e tome silêncio) até uma escada
de alvenaria que desembocava nas salas de aula. E eu não entendia como é que se
descia uma escada e as salas ficavam no mesmo plano dos jardins.
Salas grandes, espaçosas, bem iluminadas e
bem ventiladas, desfrutávamos de um certo conforto, ainda mais que podíamos
“fugir” para os jardins.
- Número 83, você ouviu o que perguntei?
- Ah, ah... sim...
- Então responda: Qual é a flor que simboliza
o Japão?
- Ah. O quê!!?
- Está sem lanche e sem banho, hoje.
Aterrissei.
- Ah, meu Deus, tô lascada. Vou comer pão com
melado.
Mais tarde, pagaria caro por essa “fuga”,
pois essa mesma pergunta caiu numa prova oral de Geografia.
Apesar desses incidentes, as aulas eram
interessantes.
A Madre Fritzeheid era a nossa poliglota do
internato. Falava fluentemente o alemão, o inglês, o francês e dominava o grego
e o latim. Magra, alta, parecia um pendão de milho vestido de preto. Era muito
severa e nem sabíamos o que era pior: se as intermináveis aulas com memorização
de verbos e vocábulos, ou se os ditados que eram sorteados. Nunca pude me
esquecer da prova final de francês quando foi sorteado o ditado "Le
jardin"
"Nous
allons quelquefois passé le samedi après midi dans un jardin public derrière la
ville...
Foi terror ao vivo e em cores, pois aquele
texto era considerado o mais difícil dentre todos. Em razão daquele bendito
ponto sorteado, muitas alunas ficaram para "segunda chamada”; outras
levaram "bomba" e, com certeza, jamais fizeram as pazes com o idioma
francês. Por sorte, eu era excelente em línguas estrangeiras. As aulas de
inglês, alemão e francês eram as minhas preferidas. Eu me identificava com
aqueles idiomas e sempre conseguia as melhores notas, o que me dava um certo status, pois as freiras algumas vezes me
dispensavam da sala de estudo para “ensinar” esses idiomas àquelas que estavam
com nota baixa. Íamos para um pátio coberto que dava para o espaço
multiesportivo. Estudávamos um pouco, mas sempre sobrava um tempinho para jogar
um baralhinho (sueca). Além disso, eu tinha a possibilidade de negociar
santinhos, picolés e outras sobremesas no “mercado negro”. Era uma situação por
demais confortável.
Meu
terror mesmo sempre fora e continua sendo a Matemática. Antes de nos mudarmos
para São José da Coroa Grande, em Bacurezinho, tínhamos aula de reforço e nossa
professora fazia uso de uma palmatória bem grossa. Cada vez que errávamos uma
conta, por exemplo, levávamos alguns “bolos” nas palmas das mãos que ficavam
inchadas e vermelhas.
No internato, a coisa mais ou menos se
repetia: a cada erro de tabuada ou de uma conta, a professora, que não por
acaso, era a Madre Carolina, apitava bem
no meu ouvido. Aquilo ficava ressoando na minha cabeça. Então, eu misturava
tudo: números, contas, problemas... Todos os anos ficava em segunda chamada por
causa da Matemática. Pois a Madre Carolina era também nossa professora de
Latim. Não poderia haver combinação pior, porque ela era tão temida que poucas
alunas conseguiam aprender o Latim. Era um tal de se enrolar nas
"declinações" e nas traduções " Se vis pacem para bellum."
( Se queres a paz, prepara-te para a guerra".)
Nossas aulas de Língua Portuguesa ficavam a
cargo de uma professora brasileira, D. Maria, gorda, que nunca levantou a bunda
da cadeira para explicar coisa alguma. Usávamos a Gramática Expositiva, uma
espécie de código de todas as regras gramaticais da língua. Não me lembro de
nenhuma delas. A única coisa que me ficou na memória foi o cacoete de D. Maria:
de frente para nós, ela cruzava os braços; depois, retirava devagarinho o braço
direito, passava-o pela axila esquerda e, a seguir, levava o braço até o nariz
e dava uma fungadinha no cheiro que buscara na axila. Aquilo se repetia durante
toda a aula.
A aula de latim era como torcer nosso cérebro
porque nada daquilo fazia sentido para nós: declinações, rosa, rosa, rosae, rosae, rosa, rosam. O pior era ligar isso aos
“casos”: nominativo, sujeito e
predicativo do sujeito; vocativo,
interpelação; genitivo, complemento
do nome ou adjunto adnominal; dativo,
objeto indireto; ablativo, adjunto
adverbial; acusativo, objeto
direto... E, para cada caso, uma terminação. E tome decoreba. O pior é que,
anos depois, quando prestei meu primeiro vestibular (para Letras) tive que
decorar as Catilinárias e os tempos verbais de não sei quantos verbos.
Maior gostosura mesmo eram as aulas de Arte.
A professora, uma alemã muito prendada, ensinava desenho e pintura em aquarela.
Também pintávamos em azulejo. Havia também trabalhos com recortes de desenhos
pintados a nanquim. Eram horas agradáveis, em que a criatividade rolava solta.
Sempre
vinham freiras jovens da Alemanha. Elas eram muito diferentes de nós. Apesar de
terem toda a cabeça coberta pelo véu preto, ainda assim era notável a diferença
da cor da pele e dos olhos. Eram branquinhas, olhos azuis que variavam do mais
forte ao mais fraquinho, as maçãs do rosto rosadas como manga-rosa. Não falavam
nada de Português e, por isso, eram colocadas no meio das alunas para que
aprendessem mais rapidamente o novo idioma. Nós, que éramos obrigadas a
aprender alemão, em vez de melhorarmos o nosso aprendizado, ficávamos a ensinar
àquelas estrangeiras algumas bobagens no nosso idioma. "Eu sou um
papagaio" (Isso era uma grande bobagem para a época, já que nem sonhávamos
em falar palavrões). Quando as freiras descobriam tudo, afastavam-nas de nós.
Em frente ao refeitório, havia um pátio
coberto onde ficavam pendurados todos os sacos de roupa suja das alunas
internas. E aquilo era um dos mais terríveis segredos, guardados a sete chaves:
o preço da lavadeira; porque quem já era "mocinha" pagava mais, pois
não conhecíamos os higiênicos absorventes. Eu costumava fazer promessas para
que as "maiores" não descobrissem que eu ainda era "criança".
Pois, se isso acontecesse, meu prestígio diminuiria bastante. Já bastava a
gozação porque eu ainda não usava sutien (diga-se hoje sutiã).
E, assim, a vida corria absolutamente
fora da realidade, cercada de cultura germânica por todos os lados, um pedaço
da Alemanha no centro do brejo paraibano.