quinta-feira, 27 de novembro de 2014

O poeta que virou passarinho








Dia 13 de novembro, Manoel de Barros poeta sul-mato-grossense, deixou-nos. Um dos principais autores contemporâneos do país, teve o Pantanal como tema de seus escritos. Do nada inventava coisas (linguagem) e de tanto inventar, aumentou o mundo.
O que falar sobre esse homem-menino que a vida toda brincou com as palavras, criando um universo lírico próprio; que saiu do lugar-comum para falar de coisas simples com a profundidade que só os iluminados sabem fazer? E, para não cair no lugar-comum, reproduzo aqui algumas palavras de Manoel de Barros.

"Sou um cara que ama brincar com palavras. Eu me criei no mato moda ave. O lugar onde me criei tinha só árvore, água e passarinhos. O lugar me inventou para fazer brinquedos. Comecei fazendo bola de laranjas e carros de latas de goiabada vazias. Depois me desenvolvi: comecei a fazer brinquedos com palavras. Mas por não conhecer o nome das palavras, eu batizava elas a meu gosto. Sou hoje um cidadão, inventor da língua de brincar. E me comunico em livros na língua de brincar. Não há nisso metafísica".

E esse poema:
.
O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


Manoel de Barros não morreu; como disse sua neta: “virou passarinho.”



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