segunda-feira, 16 de março de 2015

Menino que dormia no carro – Ginaldo Gomes

Menino que dormia no carro
Por Elba Gomes
Há algumas décadas, milhares de nordestinos deixaram seu torrão natal para tentar a vida no “Sul”. Famílias inteiras tiveram que incorporar nova cultura: hábitos, clima, alimentação… Crianças que, pela primeira vez, abraçariam trabalhos para ajudar no sustento da família, quase sempre numerosa. Um mundo novo que se descortinava, exigindo de todos muita luta em prol de um futuro melhor.  É como se quisessem transplantar uma árvore de um solo para outro. Levaram as raízes, plantaram-nas, cuidaram delas com muito sacrifício. O menino conseguiu. Sua árvore sobreviveu, cresceu, estendeu os galhos, deu flores e frutos. E, como nordestino é “teimoso”, o autor do nosso relato passou pelas agruras da vida, um menino-quase-homem que, vencendo os medos da cidade grande, conseguiu encontrar alegria e construir esperanças. Mais importante: nunca esqueceu suas raízes e nunca perdeu o sentimento de nordestinidade. Hoje é um homem bem sucedido. Mora em Brasília, tem uma família linda, maravilhosa.  Mas, todo ano volta à terrinha para sentir o gostinho do “eu sou daqui”.
Dormir dentro de um carro velho, numa garagem no Edifício Zacateca, em Laranjeiras-RJ, nos idos de 1959, aos 13 anos, parecia triste.
Para uma criança naquela idade e que tinha vindo do Nordeste, mais precisamente, da Paraíba, para uma grande cidade, dormir num carro para poder trabalhar na empresa BATAN-Terraplanagem e Engenharia, em Botafogo, era uma necessidade, pois seus pais moravam em Cascatinha-Olaria, subúrbio longe do centro.
Um primo de sua mãe, síndico do Edifício, conseguira permissão para que ele dormisse na garagem.  Ali, também, o irmão do menino lavava carros dos moradores.
Acordava, tomava banho frio no banheiro da garagem e ia a pé até o ponto do bonde para se dirigir ao trabalho. Era uma empresa de engenharia que extraia pedras de um morro que ficava atrás da Rua Bambina, em Botafogo. As pedras serviam para fazer o aterro do mar na orla entre o atual Monumento dos Pracinhas, e bairros da Glória, Flamengo e Botafogo.
No seu primeiro dia de emprego, o gerente da Empresa o levou a uma loja e o presenteou com várias peças de roupas e sapatos, pois sua roupa era muito simples, humilde mesmo.
Sempre usando o bonde, o menino tinha como missão transportar documentos do bairro Botafogo até a Rua Uruguaiana, onde ficava a sede da Empresa.
Fazia isso diariamente, ciente de sua obrigação de ajudar a família com a metade de um salário mínimo que recebia como empregado, pois na época não era proibido menor trabalhar, como hoje.
Ao chegar do trabalho, jantava na casa de um médico, casado e com filhos, no Edifício Zacateca. Lá ajudava as empregadas nos afazeres domésticos, à noite, até a hora de dormir em sua “cama”,  – o carro. Estudar não era possível.
Seu pai, outrora comerciante bem sucedido, tivera um sério revés na vida, indo à falência nos negócios, o que o obrigou a ir para o Rio de Janeiro procurar emprego, inclusive para os filhos, para que pudessem ajudar nas despesas da casa, pois a prole era grande: 11 filhos
Criança que tivera um passado de classe média alta da época, aquela situação de extrema dificuldade não lhe causava qualquer tipo de revolta ou tristeza.  Era feliz daquele jeito.
Nos finais de semana, quando ira para casa, pegava o ônibus 109, em frente ao Cine Ópera, em Botafogo e ia até Olaria; em seguida, pegava um lotação – um carro antigo com bancos de madeira que fazia parte de uma “frota” de veículos de marca Ford, da década de 50.
Em sua casa, ao pé do Morro do Alemão, tinha uma cisterna para abastecer a casa de água e um fogão de uma só boca, onde sua mãe fazia as refeições. São essas as poucas lembranças do Lar.
Certa vez, ao subir o morro para comprar querosene, um grupo de meninos o cercou para agredi-lo, pois um dos irmãos mais novos, em algum momento, dissera que ele era bom de briga.   Soco pra lá e soco pra cá, o menino conseguiu escapar, correndo morro abaixo até a casa. Depois disso, os moleques não o perseguiram mais e disseram que ele lutava muito bem. Aprendera a lutar na cidade pequena do Nordeste, vendo os filmes de faroeste.
Andar de bonde era prazeroso e lúdico. Podia apreciar, de todos os lados, a cidade. Acomodava-se em um dos bancos de ripas de madeira e logo vinha o cobrador com extrema maestria, andando pelos estribos e com os dedos cheios de cédulas de dinheiro para o troco. Percebeu que algumas pessoas se sentavam e logo e,  disfarçadamente, punha-se a ler um jornal para tentar ludibriar o cobrador; mas ele era esperto e percebia a tentativa.
Certa vez, indo de bonde para o trabalho, cochilou e passou do ponto, no bairro de Botafogo; e o bonde dava a volta pelo bairro de Copacabana. Mesmo preocupado pelo atraso, pôde conhecer as avenidas Atlântida e Nossa Senhora de Copacabana. Foi marcante ver tal como numa tela de cinema o que ainda hoje continua sendo um dos mais belos cartões postais do Rio de Janeiro .e do mundo.
Sendo ainda criança, despertava-lhe o desejo de poder brincar e se distrair.  Vendo os banhistas surfando nas praias,  pediu ao marceneiro do escritório de obras da empresa que fizesse uma prancha de madeira para tentar surfar.  Levou-a de ônibus até a praia, porém, a prancha era pesada e não boiava.  Uma pequena frustação; porém, valeu a tentativa. Nos finais de semana podia também empinar pipas no morro próximo a sua residência.
A sorte do destino fez com que seu pai conseguisse um emprego na Câmara dos Deputados, ainda no Rio de Janeiro. Não demorou muito houve a mudança do Congresso para Brasília, no ano de 1960.
Daí em diante, a vida de sua família mudou completamente, mas essa história será alvo de novo relato
Esse menino chama-se Ginaldo Gomes da Silva.
Ginaldo com a esposa e as filhas
Ginaldo com a esposa e as filhas
Foto: acervo Elba GGomes

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